sábado, 9 de outubro de 2010

Roubando o conto!

Wm qual sociedade vivemos e qual comum unidade fazemos?

O muro próprio

Denise comprou a casa. Perto demais da favela, mas sua. E tem quintal para os meninos. Falta só fazer o muro.
Ainda está arrumando a mudança quando vê o garoto, pouco maior do que os seus, com o revólver pendurado na cintura. Na frente da casa. Da casa sem o muro.

Chove forte. Ele tira a camisa e embrulha um pacote com ela. Fica com as costelas soltas no frio da tarde de julho. Tão magrinho, encolhido sob a chuva, sentado no chão molhado.

Faz o jantar e não agüenta. Chama o menino para comer um prato de feijão quente. Não posso sair daqui, tia. Então, ela faz o prato e leva para a rua. Ele conta que se chama Capeta e é olheiro do morro. Não pode arredar pé dali, tem que vigiar o caminho e disparar os fogos se a polícia aparecer ali embaixo, ali na curva, está vendo, tia? O problema é a chuva, que está molhando os fogos, guardados junto com o revólver dentro da camiseta. Tia, guarda pra mim?

Denise não pode, não quer encrenca, tem filho pequeno e um medo enorme. Entra em casa e vê quando, mais tarde, chega uma mulher envelhecida, muito provavelmente a mãe do Capeta. E pede tanto que ele vá para casa e ele só faz que não com a cabeça. Que idéia a da mãe, largar o ponto, não é homem disso.

Já está anoitecendo quando Denise fecha a janela e deixa o menino encolhido na chuva, a poucos metros da mãe, que também sentou no chão e vela a vigília do filho.

Amanhã vai procurar quem levante o muro. Mesmo sabendo que a tosse do Capeta vai atravessar todos os tijolos e se alojar no fundo do seu ouvido feito um tiro.

de Rosa Amanda Strausz

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Roubando música!

Há dez anos essa música entrou na minha vida, às vezes ela sai,mas sempre volta.

Ando Só, Humberto Gessinger/Engenheiros do Hawaii
ando só
pois só eu sei
pra onde ir
por onde andei
ando só
nem sei por que
não me pergunte
o que eu não sei

pergunte ao pó
desça o porão
siga aquele carro
ou as pegadas que eu deixei
pergunte ao pó
por onde andei
há um mapa dos meus passos
nos pedaços que eu deixei

desate o nó
que te prendeu
a uma pessoa que nunca te mereceu
desate o nó
que nos uniu
num desatino
um desafio

ando só
como um pássaro voando
ando só
como se voasse em bando
ando só
pois só eu sei andar
sem saber até quando
ando só

Roubando poesia!

realmente, não há perdedor nesse mundo. Só eu e o eu-lirico desse poema.

Poema em linha reta, de Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.